Cachorro na chapa: 2008

Fonte: TIME Asia Magazine, "China's Sports School: Crazy for Gold"

Não é novidade para ninguém que os chineses são completamente apaixonados e viciados por tênis de mesa: o PINGUE-PONGUE. Sempre pensei que fosse uma paixão antiga, um esporte genuinamente chinês, talvez praticado pelos antigos imperadores. Mas recentemente descobri o que já devia ter desconfiado desde o começo: foi o Partidão Comunista quem doutrinou os chineses a gostar de pingue-pingue!!! Em 1949, quando Mao e os comunistas tomaram o poder na China, os Nacionalistas chineses fugiram para Taiwan, e tiveram sua independência reconhecida por muitos países ocidentais e pelas federações internacionais de esporte. Como resposta, a China cortou relações com tais federações, e ainda viria a boicotar os Jogos Olímpicos por mais de 2 décadas como protesto contra a participação de Taiwan. E no meio de toda esta tensão política, em 1953 a Federação Internacional de Tênis de Mesa foi uma das primeiras a cortar relações com Taiwan em favor da China. Imediatamente o esperto camarada Mao pensou: “Opa, está aí um bom esporte para ser praticado na China”. E inundou todas as escolas (todas elas públicas, obviamente) com centenas de milhares de mesas, raquetes, bolinhas e treinadores de pingue-pongue!!!

Tiramos esta foto em um dos parques de Beijing, sempre lotados de mesas de pingue-pongue.

Divertir-se na China era praticamente um crime na época, e com exceção de trabalhar duro, dedicar-se à amada pátria e idolatrar Mao, tudo que restava era o oficialmente adorado ping-pong! Eis o resultado: de Seoul-1988 (primeiro ano do pingue-pongue como esporte Olímpico) até Atenas-2004, a China conquistou 16 dos 20 ouros disputados; nas Olimpíadas de Beijing, no pódio do simples masculino e do feminino TODOS eram chineses (ouro, prata e bronze); nas duplas, o ouro masculino e feminino também foram faturados pela China; no time dos EUA, os quatro são sino-americanos, e astros chineses que não conseguiram lugar no time nacional também representam a Coréia do Sul, Japão, Cingapura, Argentina, Ucrânia, Austrália, Luxemburgo, Espanha, Holanda, Áustria, Polônia e Congo.

Em 1421, a China encantava o mundo com a festa de inauguração da Cidade Proibida em Beijing. Persas, árabes, indianos e africanos embarcavam seus imperadores para prestar homenagens ao “Reino do Meio”, admirado por sua cultura, sua seda, chá e porcelana, e temido por sua poderosa frota naval. Europeus, considerados povos bárbaros e ignorantes, sequer foram convidados (e as Américas ainda demorariam a ser desenhadas nos mapas do mundo). Mas apesar de sua superioridade, a China preferiu isolar-se do mundo, no lugar de tentar dominá-lo: a Grande Muralha é o maior exemplo do isolamento chinês.

Seissentos anos se passaram, e tudo parece ter virado do avesso: da posição de império mais poderoso e influente do mundo, a China tornou-se motivo de piada no Ocidente, não sem antes ter passado por um longo período de humilhação e dominação estrangeira. Ironicamente, a pólvora inventada pelos chineses seria usada pelas potências ocidentais para conquistar a China. Começando com sua derrota para a Inglaterra na Guerra do Ópio em 1842, a China chegaria ao fundo do poço durante a II Guerra Mundial, massacrada pelos japoneses. A estranha, praticamente bizarra, admiração dos chineses por Mao Zedong, pode ser explicada em parte pelo basta dado por ele aos “100 anos de humilhações”. Quando a República Popular da China foi fundada em 1949, Mao proclamou: "Não mais a nossa nação será sujeita ao insulto e à humilhação. Erguemo-nos." Sua foto até hoje domina o cenário da Praça da Paz Celestial e Cidade Proibida.

Hong Kong só deixou de ser uma colônia e regressou à soberania chinesa em 1997, e as placas que (diz a lenda) existiam na entrada dos parques de Xangai até 1928 ainda estão muito frescas na memória do povo: “Proibida a entrada de cães e chineses.” Determinada a eliminar a herança de humilhação, e atravessando um momento inédito de crescimento econômico, a China iniciou o que talvez tenha sido o mais ambicioso projeto de sua história moderna: os Jogos Olímpicos de Beijing! O Ocidente estranhou a obsessão chinesa com a preparação dos Jogos, mas em nome do orgulho nacional, as Olimpíadas não poderiam ser nada menos do que perfeitas.

Mais do que o orgulho chinês, estava também em jogo (sem trocadilho) o futuro do “Partidão” (o PCC, Partido Comunista Chinês). Os líderes chineses sabiam que a organização impecável e o primeiro lugar no pódio das medalhas seriam a prova da supremacia chinesa, reforçando a legitimidade de seu regime e afastando possibilidades de reformas democráticas. O Partidão merece, sim, parabéns pelos jogos impecáveis, mas a inexistência de direitos individuais na China e as decisões à prova de contestações certamente tornaram tudo muito mais fácil. Resquícios de uma cultura que ainda abre mão de seus interesses individuais pelo bem coletivo também deram uma forçinha. 1,5 milhão de moradores foram desalojados para a construção dos estádios e projetos de reurbanização que varreram os quarteirões de hutongs - os centenários cortiços de Beijing. É preciso pisar no Complexo Olímpico onde está o Ninho de Pássaro para acreditar no tamanho da área utilizada: 6 vezes maior que o complexo construído em Atenas, 60 vezes maior que o complexo do Maracanã. Afirma o "Partidão" que “todos foram devidamente indenizados”. Ã-hã.

E enquanto os chineses enchiam-se de orgulho de seu país, o mundo descia o pau. Não faltaram críticas às violações dos direitos humanos, censura à liberdade de expressão, agressão ao meio ambiente, etc. etc. etc. Para quem mora na China, chegava a ser cômica a diferença entre as notícias veiculadas nos jornais chineses e nos jornais europeus. E o mundo ainda se mobilizou para protestar contra a repressão chinesa no Tibet e pressionar por um boicote generalizado às Olimpíadas. Enquanto a Tocha Olímpica era apagada por manifestantes ao redor do mundo e o presidente francês fazia graçinha dizendo que ia boicotar os Jogos, os chineses boicotavam o Carrefour na China. E como quem fala mais alto sempre é o $$$, é claro que no dia 08/08/08 todos os líderes mundiais compareceram sorridentes ao Ninho de Pássaro.

Ninho de Pássaro, Final 100m rasos!

Bolt comemorando ao som de Bob Marley!!!

New World Record: 9.69! Histórico!!!

A China ficou no topo do pódio geral, mas nós também garantimos um espaçinho...

Final do vôlei feminino!!! "Ouviram do Ipiranga às margens plácidas..." É OURO!!!!!

Final da vela em QINGDAO. Para mim, o momento mais emocionante das Olimpíadas: eu e a Cá, únicos dois brasileiros perdidos na arquibancada, e o Scheidt pega a bandeira do fundo do barco pra comemorar a PRATA com a gente!!!!!!!!!!!!!

Final do vôlei masculino: PRATA.
O Brasil só perdeu porque já tava todo mundo rouco e mal deu pra torcer!!!

Outra grande preocupação era a pesada poluição de Beijing, que poderia causar danos à saúde dos atletas e enormes estragos à imagem da China, já muito criticada por seu descaso com o meio ambiente. Transferiram as fábricas mais poluentes para fora da cidade, plantaram milhões de árvores, pararam todas as construções, e um rodízio de carros à la São Paulo foi implantado. O resultado, como tudo na China, sempre têm duas versões: a do “Partidão”, que dizia que “a qualidade do ar passou de muito boa para excelente”; e a do mundo, que se resume na foto da chegada dos atletas americanos ao aeroporto de Beijing.

Os americanos, mais do que todos, não perderiam uma chance de exagerar, mesmo que fazendo papel de ridículos. Mas tenho certeza que os críticos, e mesmo os atletas, ficaram pasmos com o céu A-Z-U-L de Beijing. A última vez que eu tinha visto um céu tão bonito foi em Ubatuba!!! Mas 2 meses depois, quando voltamos a Beijing, as fábricas, construções e carros já estavam de volta à ativa, e com eles, a poluição. A farça durou pouco. Mas não tinha problema - o mundo já não estava mais de olho em Beijing. Que venha LONDRES... 2012.

O Espírito Olímpico chinês...