Tuesday, February 27, 2007

Xi'an


Já no avião podia-se notar que estávamos entrando em uma outra China. Quem reclama da barrinha de cereal da GOL, vem pra cá e tenta pelo menos descobrir que raios é aquilo que supostamante deveríamos comer durante o vôo. Eu não descobri. Nem comi. Só não foi mais bizarro do que uma tiazinha na nossa frente, que de dentro de sua sacolinha sacou um suculento carangueijo todo amarradinho, e devorou o bichão!!! Não sabíamos se prestávamos mais atenção na tia lambendo os dedos ou em uma outra estrangeira incrédula ao lado, indignada.

Xi’an tem uma história de mais de 3.100 anos. No lugar de Pequim, é Xi’an a cidade que possui a mais antiga história como capital do Império Chinês, desde 221 antes de Cristo. Pequim tornou-se capital somente em 1421. No avião líamos nosso Lonely Planet, hipnotizados: “2 séculos antes de Roma ser fundada, 5 séculos antes de Buda ser iluminado, Xi’an já era a capital chinesa”. No museu Shaanxi há crânios de míseros 1,15 milhões de anos! O Homem de Lantian foi descoberto nas redondezas da cidade, o que confere à região a honra de ser considerada um dos berços da humanidade. Hoje, Xi’an é um vilarejo de 7,2 milhões de habitantes. Embora já enorme, ali realmente se respira China. E história.


Bell Tower e Drum Tower, no centro de Xi'an.

Na época antiga, quando todas as importantes cidades possuíam muralhas para protegê-las, a capital Xi’an obviamente possuía uma das maiores e mais sólidas. O tempo passou, passou, e continua ela ali, desde o século VI. Linda, imponente. Pois subimos lá, alugamos 2 bikes, e pedalamos por todos os seus longos 14 km (Carla superando todas as expectativas!). Por tanto tempo preservada, ainda sofreu com mais uma amostra da barbaridade humana no final dos anos 30 (do século XX mesmo!), quando uma bomba japonesa destruiu 200m da muralha. O governo chinês concluiu a restauração recentemente.


Ao final da tarde fomos parar no Bairro Muçulmano. Em poucas palavras, uma experiência antropológica. Barraquinhas espalhadas pelas calçadas, cobertas por gaiolas de passarinhos (alimentados em potinhos de porcelana, luxo chinês), e “restaurantes” ao ar livre, muitos de espetinhos de carne, e outros muitos de indecifráveis pratos. O toque especial do churrasquinho é que ali os espetinhos não são de madeira, mas sim de metal. E enferrujados!!!!!!!!!!!!!! E a galera na fila, jantando! Um lugar único no mundo, definitivamente.


O ápice da viagem: Guerreiros de Terracota. Enquanto seguíamos ao seu encontro dentro de uma vanzinha vagabunda, por uma estrada não menos vagabunda, a expectativa era enorme. Pasmo com as histórias da guia, tive uma verdadeira crise existencial. “Como posso ser tão ignorante, não saber absolutamente nada disso?” Durante todos os anos de escola, não me lembro de ter tido uma aulinha sequer sobre história asiática ou do oriente... e por quê, se aqui talvez haja mais história do que qualquer outro lugar no mundo? Peguei um papelzinho e comecei a anotar.

A maior rota comercial da antiguidade entre ocidente e oriente, conhecida como a Rota da Seda, começava em Xi’an. O imperador, pobre coitado, cansado de perder algumas batalhas porque na China existiam somente cavalos muito baixos, enquanto os cavalos mongóis eram enormes, mandou buscar cavalos no ocidente. Em troca, seda e porcelana chinesas (se estes produtos ainda hoje encantam o ocidente, imaginem na época!). Comentário muito pertinente na van: “Toda a rota da seda começou porque o cara só tinha pônei e queria um cavalo”. Bom, com tanto fluxo econômico e cultural com o ocidente, é de se imaginar que o pobre imperador tivesse um ego um tanto quanto gigantesco. E nada melhor do que mandar construir, para guardar seu túmulo e alma para todo o sempre, seu próprio exército. Tudo isso a mais de 200 anos antes de Cristo!


Descobertos acidentalmente por camponeses em 1974, os Guerreiros de Terracota eram nada mais nada menos do que 6000 guerreiros e cavalos em tamanho natural, arrumados em posição de batalha. Cada uma das peças com um rosto diferente, o que leva a supor que são representações do verdadeiro exército da época. A imensa maioria deles, completamente destruída. Efeito do tempo? Não, do homem mesmo (ou seria melhor dizer um animal?). Um general que tomou o poder após a morte do imperador mandou destruir e atear fogo em tudo.

Logo foram fazendo mais buracos (salvem os arqueólogos) e descobrindo mais coisas, inclusive o túmulo do dito imperador Qin, a 1,5 km dos Guerreiros. Ao longo dos 1,5 km, surgiram mais 2000 guerreiros, estes todos coloridos!! Após ficarem debaixo da terra por mais de 2000 anos, as primeiras peças desenterradas perderam a cor ao entrar em contato com o ar. Por isso, a quase totalidade destas 2000 peças aguardam enterradas uma tecnologia que permita preservá-las do contato com o ar. Também foram encontradas peças de figuras “acrobáticas” mais perto do túmulo, que serviriam para entreter o imperador. Já o Túmulo do Primeiro Imperador continua um mistério, inacessível. Ali, espera-se que seja desenterrada em breve uma das maiores descobertas arqueológicas dos últimos séculos.

Quando já não esperávamos mais novidades, eis que um casalzinho começa a nos olhar de longe... risadinhas... e não param de olhar. Pra provocar, bati uma foto dos dois (abaixo, parecem estar olhando para um casal de animais raros). Foi a deixa para o cara chegar mais perto e, num inglês macarrônico: “Can I take a picture with this be-au-ti-ful girl?”. E aponta a Cá. Eu mereço. Pois é, o quanto somos encarados o tempo inteiro, o quanto nos olham com tanta curiosidade, é uma outra longa história. Não faz muito tempo que a China abriu suas portas para o Ocidente. Nós, dos olhinhos não-puxados, ainda somos novidade por aqui!


Deixamos algumas dicas:

Imperdível: Muslim Quarter (prepare seu estômago) e Ópera Shaanxi (ballet Chinês)
Onde ficar: Mercure (ótima localização, barato)
Onde comer: Azur (cozinha internacional, em Renmin Square) ou Defachang (cozinha chinesa, entre Bell e Drum Tower)

"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. (...) Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink

3 comments:

Anonymous said...

Que Lonely Planet que nada, ja aposentei o meu! Se eu for pra China eu vou é usar o blog de voces como guia!!!

Alias, o comentario do Amyr Klink é de tirar o chapéu. Na China ainda, onde a cultura tao diferente faz com que você reavalie seus valores a todo momento. Que pais grandioso!!! Eu ia me sentir que nem formiguinha...

Um bjo pra voces,
Li

Unknown said...

Grandíssimo Murillo! Cara, só posso te adiantar que to curtindo demais o blog de voces, ou melhor, aula de história oriental/chinesa ... simplesmente me sinto ignorante a cada frase com relação a história chinesa que leio, e devo concordar plenamente contigo quando menciona que não se recorda de ter ouvido falar durante a escola deste que com certeza foi,é e tem tudo para continuar sendo a maior civilização mundial (hoje derrubando as bolsas do mundo inteiro, só aqui 6,6%).
Espero que continuem escrevendo mais e mais !!!
Um grande abraço

Cynthia said...

Hhaha, pegaram gosto pelo blog ne? E muito bom ne? Eu me arrependo de nao ter feito um desde o comeco. Estou adorando e pelo que vi no hit counter, esta bem frequentado e popular. Adoro quando voces postam. Beijos